domingo, 23 de janeiro de 2011

Boemiando

Meu lugar preferido da casa é o sofá. Não que eu não goste dos outros locais, devo confessar que eles têm sim lá seus encantos e utilidades. Mas o que mais preciso eu da vida além daquele sofá?
Todo dia eu chego em casa, geralmente quando o dia já está amanhecido ou prestes a amanhecer, e como não me dão as chaves de casa - o que eu acho um absurdo, afinal moro aqui ou não? -  tenho a opção de me espremer todo e tentar entrar pela janela dos  fundos, o que às vezes realmente o faço, ou ficar onde estou, esperando me deixarem entrar. E é isso que ocorre na maioria das vezes: fico ali fora, perto da porta. Confesso que fiquei entalado algumas vezes na janela, tentando entrar pelos fundos, e isso não é uma sensação lá muito agradável. Estou um pouquinho fora de forma, se é que me entendem. Então prefiro ficar ali, do lado de fora da porta da frente, esperando escutar o menor sinal de vida lá dentro. Espero porque sei que ninguém vai levantar da cama só para me abrir a porta; tenho que esperar elas decidirem acordar. Depois de tanto tempo vivendo assim já sei como a casa funciona, tenho as "manhas". Fico ali, na espreita, e quando escuto o barulho dela saindo da cama e indo ao banheiro lavar seu rosto amassado de uma noite agitada na solidão dos lençóis, começo a, gentilmente, pedir que me abra a porta. Peço uma, peço duas, peço três, e nada. Até que necessito pedir mais alto, quem sabe até soltar uns gritos vez ou outra, para ver se alguém vem me abrir a maldita porta. E é no meio dos meus mini-berros suplicantes que toda manhã ela vem, e finalmente abre. Eu sinceramente ainda não descobri porquê tenho que implorar todo dia para que me abram a porta; sabem que não durmo em casa mesmo, e que chego todo dia a essas horas, e também sabem que isso não vai mudar, pelo menos não tão cedo. Custa me atender na primeira súplica? Eu não me desgastaria, e nem ela. Vai entender essas mulheres...
Pois bem, entro em casa e dou de frente pro sofá! Posso jurar à você que meus olhos brilham ao vê-lo! Se eu for dormir na cama, não consigo descansar sossegado. Sempre entra alguém e fala comigo, me chama de vagabundo por estar dormindo em plena luz do dia ali, e por muitas vezes, reclamam e me expulsam da cama porque dizem que chego sujo da rua. Oras bolas! Justo eu, que tomo meus banhos, ainda que ‘de gato’, todo os dias, religiosamente! Mas tudo bem, não gosto de brigas, acho que já escuto reclamações o suficiente, por isso acabo ficando pelo sofá mesmo. Mas não de imediato, passar a noite em claro deixa a gente morto de fome. Cadê meu desjejum?
Sim, o desjejum é outra súplica que faço todas as manhãs. Sabem que chego com fome, e mesmo assim preciso implorar para que me dêem comida. Assim como não tenho as chaves de casa e não posso dormir na cama, também não sou permitido acessar os conteúdos da geladeira. Sei que tem muita coisa boa lá, vejo e sinto o cheiro de muitas comidas que só de pensar me arrepio todo, mas minha comida ficam separada da delas. Oh meu Deus! Será que sou doente e não me contaram? Hmm... Não, acho que não deve ter a ver com isso. Deve ser porque não ajudo com um centavo em casa; isso faz mais sentido. Mas não posso reclamar. Sei que elas têm banquetes naquela mesa, mas minha comida, apesar de ser a mesma quase sempre, é muito boa e eu como o suficiente pra me dar estas sobrinhas no abdome. Tenho amigos que nem isso têm em casa! Precisam sempre achar o que comer na rua, por isso digo que está bom demais assim. Mas acho que essas mulheres são muito rancorosas. Só porque você não dorme em casa, elas nao deixam você sentar na mesa para comer como qualquer outro membro da família, e nem mesmo te dão um pratinho da comida boa que estão comendo, nem que seja pra devorá-lo no sofá mesmo. Mas de qualquer forma, não reclamo. Não troco essa minha liberdade noturna para sentar à mesa com elas escutando o noticiário e ouví-las reclamar da cidade. A única exigência que faço é que peguem minha comida logo, estou realmente com fome. É preciso ter cautela ao pedir comida nesta casa, muitas vezes me agridem verbal e fisicamente. Tá, não é que me batam, não se trata propriamente de uma agressão. Mas ameaçam bater, e só a ameaça já é suficiente para me fazer sair correndo. Confesso que tenho medo delas. Essas mulheres não brincam quando se trata de ameaças.
Sim, moro com duas mulheres. Elas seriam mais legais se me deixassem dormir com elas, na cama, mas não me deixam. Dizem que não sou digno de dividir a cama com elas. Oras! É por isso que acostumei com a vida noturna, claro que é. Se o homem da casa não pode passar a noite em um dos numerosos colchões que tem nos quartos, melhor mesmo é arranjar algo interessante para fazer fora de casa. E depois reclamam que passo todas as noites fora.
Termino de tomar meu café da manhã, e chega a hora de ir pro meu lugar preferido da casa: o sofá. De lá tenho uma visão estratégica de toda a casa, e posso dormir tranquilamente sem interrupções. Porque, pra elas, dormir de dia na cama é um disparate, porém dormir “acidentalmente” (ainda que seja todo dia mesmo) no sofá, aí elas não vêem problema. E eu também não. Me jogo nesse sofá como um rei na sua cama king size! Confesso que esse sofá poderia ser mais largo, mas ainda consigo me esticar nele, me espreguicar, e até mesmo dar uma roladinha quando me dá vontade. Estando nele consigo enxergar a rua e o portão, por conta da grande janela situada de frente pra ele, na sala. Tenho uma visão privilegiada da porta da frente, do corredor que leva para a porta dos fundos, e da escadaria que leva ao andar superior da casa. O que mais poderia eu querer além de estar neste sofá?
Elas saem boa parte do tempo, e tenho a casa só para mim. Não posso ligar a tv, e nem o som, e nem o computador, mas tudo bem. Chego tão cansado de passar a noite em claro que quero saber é de dormi mesmo. E antes que me perguntem como consigo que duas mulheres me sustentem, digo que não é bem por aí. Tenho uma tarefa bastante séria: cuido da casa na ausência delas. Quando viajam, o que não é tão raro, fico eu aqui, sozinho, cuidando da casa para que nenhum ladrão se apodere do que não lhe pertence. E durante o dia, faço o mesmo. Ali do sofá, tiro meus cochilos, mas minhas orelhas estão sempre atentas ao menor sinal de barulho. Não brinco em serviço, e também não trago amigos para fazer farra em casa não. Não sou chegado muito a intimidades, tenho amigos e saio com eles à noite, de boa. Agora... trazê-los pra casa seria demais, não abuso assim nem da boa vontade delas, nem da minha própria.
Quando elas chegam no fim do dia, o mau humor que tinham pela manhã já passou. Quem sabe elas nem acordem bravas comigo, por não dormir em casa; acho que acordam bravas com o mundo e/ou com elas mesmas. Pouco me importa, acostumei com esse jeito delas, e até que gosto. À noite elas me compensam todo o mau humor matutino. Uma, sempre que chega em casa, vem me fazer carinhos, e afagos, e pergunta como estou. Nem me dou ao trabalho de responder, curto esse momento gostoso, fecho os olhos e me entrego ao toque das suas mãos. A outra é mais reservada. Mas quando termino de receber carinho de uma, vou logo procurar o colo da outra. Gosto das duas, já falei. E já que não posso dormir com elas e me aquecer debaixo do cobertor encostado em suas peles, aproveito esses momentos para suprir a carência de calor humano que tenho.
Não posso reclamar dessa vida, temos nossos problemas e nossas discordâncias, mas sei que ninguém é perfeito, nem eu, nem elas. Sou feliz vivendo aqui.
Enquanto elas assistem à novela, tomo meu banho. Lavo todas as partes, bonitinho, sem pular nenhuma. Me sinto revigorado ao tomar banho; e eu tomo todos os dias, como já havia dito. Quando a novela termina estou limpinho, e jantado. E aí elas, que dormem cedo, sobem arrumar suas camas e escovar os dentes, e tentam me convencer a passar a noite em casa e ir dormir lá naquele quartinho dos fundos. Acho engraçada essa mania que têm de terem a esperança de eu parar de sair à noite. Esqueçam, queridas, isso não vai acontecer. Tenho meus encontros marcados, gatas me esperam na esquina.
Então elas sobem para uma noite de sono, e eu saio para mais uma noite boêmia. Não tenho as chaves, então aproveito quando a mais velha vai colocar o cadeado no portão, e corro para fora da porta. Olho para trás, e vejo meu tão querido sofá. Digo até logo a ele, sei que me espera até a próxima manhã, e então sumo pelo jardim. Subo no muro, olho para os lados à procura de companhia, e, miando, me perco sob a luz da lua a iluminar o telhado.

4 comentários:

  1. Sis, agora até "vi" o Luigi deitadão no sofá...saudade dos 3!beijos She

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  2. eu gosto de gato, eu gosto de sofá e gosto do título.
    ponto final.
    (sim, bem mal comida MESMO) -hunf

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  3. meu nome é claudiany e eu tenho mimimis!

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