domingo, 30 de janeiro de 2011

under rug swept

Não, nossas vidas não poderiam se cruzar.
Por mais que pareçam ter se sobreposto, é tudo uma ilusão de ótica.
Tudo é uma questão de ponto de vista, de ângulo, de alinhamento.


Veja, não é o local adequado nem a conversa ideal para que se tenha essa conclusão.
Você sabe que isso aqui é tão banal quanto uma conversa de ônibus.
Ninguém se apaixona entre um ponto e outro.


Essa conversa de amor, não tem nada a ver.
Você nem sabe o que é o amor e fica aí, achando que vai morrer por conta dele.
O quê? Se eu sei o que é o amor?
É claro que sei. E não é isso que você está sentindo. Te garanto.


Gostar de alguém exige mais que conversas de botas batidas.
Mais que sentimentos projetados entre pontos e vírgulas.
Muito mais do que a sua imaginação é capaz de inventar.


Isso, que acontece de repente, não surge do nada.
Pode ter certeza que já existia aí, você só nunca tinha notado.
Fica aí, perdendo-se entre um travessão e outro,
E esquece de ver que tudo não passa de uma grande falta.


Se precisa tanto disso, é porque te falta algo.
Nada de cena de cinema, nada disso. Falta um pedaço.
E esse pedaço não posso te dar. Precisa achar por si só, boa sorte.


Se tu gostasse mesmo, não ficava aí se remoendo pelos cantos.
Corroendo as unhas, descabelando-se de tanto pensar.
Se gostasse mesmo, se atirava. Tal qual a formiga se lança em direção ao bolo.


E tu, se lança pra onde, bem?
O que te tira desse marasmo? Sabe que não sou eu.
Eu sou pouco, perto desse todo que é você. Não posso competir com o seu super eu.


Vê se olha debaixo do próprio tapete antes de vir me incomodar com leviandades.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

help me climb this mountain

"Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante:
eu mesma.

Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho".

Clarice Lispector



quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O império do sol




Foi você quem me ensinou a gostar de todo mundo,
A respeitar, e adorar, o diferente.
Me ensinou a encarar o mundo de frente, e levantar a cabeça mesmo quando o destino, ou um parente,
te coagia fisicamente a mudar de jeito.

Jeito... que jeito?
Esse jeito criança de ser? Esse jeito infeliz de viver?


Sei que você sofria. Na época achava que sabia, mas hoje tudo se torna claro
E vejo a realidade mais cruel do que nunca.
Você nunca teve seu espaço, seu cantinho, seus pertences.
Nunca teve um abraço de amor sincero, nem um sorriso de aprovação contente.


Sentiu na pele o que é o preconceito.
Sentia-o a cada chinelada, a cada cintada, a cada risada.
Sentia-o em cada emprego, em cada comentário daqueles que diziam te amar.


Sei que eu devia ter dado mais de mim pra você.
Sei que eu podia ter sido alguém melhor na sua vida.
Infelizmente, não tive nem maturidade, nem tempo suficiente.


Mas sinto-me feliz por saber que nunca, nem um dia sequer, zombei de ti
Nunca fiz pouco da tristeza que sentia, e da injustiça a que era submetido.
Gostava, e gosto de você, do jeito que você é. Do jeito que “D'us” te fez.
Gosto de você exatamente do jeito que você se gostava.


Nunca fiz pouco do teu sofrimento. Queria muito mesmo que você pudesse compreender isto.
Queria que você pudesse entender que te ver sofrendo era demais pra mim, eu não conseguia digerir toda a situação. Não entrava na minha cabeça o menor rastro de possibilidade de te perder.

Sei que a culpa era dela, e não de você.
Mas minha burrice me fez personalizar toda essa angústia em ti.
E me fez te enxergar, ao invés de debilitado, forte.
Me fez ver, quando te enxergava, alguém saudável, e não doente.
Me fez achar que era tudo passageiro, quando a gente sabia [ eu e você ] que não era.
Era mais real do que nunca. Era arealidade esmagando as nossas vidas.

Sinto falta de te ter por perto. De escutar as coisas bizarras que você falava, de escutar seus sonhos infantis e de certo modo estúpidos.
Falta de te ver dançando pela casa, de conversar com você.
Falta do abraço que você me deu no dia que eu não passei no vestibular. Lembra? Era tudo que eu precisava, de um abraço e mais nada. E você me deu um dos melhores abraços do mundo, e chorou abraçado comigo, e sentiu a minha dor como se ela doesse em ti.
Aquilo nunca vou me esquecer. Me senti amada naquele momento, mais do que nunca.

Compartilhávamos mais do que o resto do mundo podia imaginar. Sei que você se sentia um pouco deslocado, como eu. Mais ainda por ser quem você era. Estes sentimentos são coisas que só nós dois sabemos, por mais que os outros nos amem, sempre tem esse vaziozinho lá no fundo.

Admiro a força que você teve pra nadar contra a corrente. Admiro você ser essa pessoa maravilhosa que era, mesmo a vida te botando sempre pra baixo.
Não era o mais bonito, nem o mais inteligente, nem o mais querido. Aos olhos alheios, você deixava muito a desejar.
E eu te digo, meu querido, que te amo do jeito que você é, do jeito que sempre vou lembrar de ti: essa sensibilidade no olhar; essa ânsia por amar e ser amado; essa vontade imensa de ser feliz. Essa eterna procura por um lugar no qual seu sol, o seu próprio, pudesse imperar, e não o dos outros.
Não foi possível não é? Mas tua força ao tentar foi algo muito invejável e louvável.
Te admiro por isso, e por muitas outras coisas.


Uma das coisas mais tristes é saber que você não conseguiu ser feliz.
Isso realmente me deixa triste. A vida não foi justa com você, assim como não é com todos nós.


Saiba que tudo que fiz e deixei de fazer foi por amor.
Fui fraca. Fui fraca. Fui fraca.


Posso ter parecido um pouco prepotente, e um pouco negligente. Mas te juro, era apenas fraqueza.
Hoje ainda não é fácil pensar nisso tudo, e por isso na maioria das vezes não o penso.
Mas afinal, é seu aniversário, e acho que já está na hora de eu encarar de frente esses medos, encarar de frente minhas limitações e os erros que essas limitações me fizeram cometer.


Errei.
Não queria ter errado, mas errei. Não queria ter errado, não com você, nem naquele momento tão frágil, mas errei.

Hoje, poderia ficar aqui falando horas e horas de como você faz falta, porque realmente o faz.
Mas não, ainda não é o momento. Ainda precisamos acertar as nossas contas.
Sei que te magoei, e pode ter certeza, me magoei também.
Não queria ter sido quem fui, nem ter feito o que fiz, mas não posso voltar no tempo.
Tem coisas que não voltam, e acho você é uma delas.

Por isso que neste dia, sinto que antes de falar o que você é pra mim, preciso dizer o que está entalado aqui há tantos e tantos anos. Queria poder te dizer isso olhando em seus olhos.
Aceite as minhas mais sinceras desculpas.
Por favor aceite.
Pra que eu possa seguir em paz, pra que eu consiga lembrar de ti somente com lágrimas de saudades nos olhos, e não de remorso.

Mil vezes, desculpa.
Com muito muito muito muito amor,


Feliz aniversário.

Amo você.
E te sinto em cada pôr-do-sol.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Bons tempos, aqueles de bossa

Hoje Tom Jobim faria 84 anos!

Foi sem dúvida um dos artistas brasileiros mais brilhantes do século passado, e eu, adoradora de música que sou, presto minha humilde homenagem a esse grande poeta.

Creio que a única maneira de realmente elogiar um artista é sentindo a sua obra.

Adoro várias composições do Tom, desde as mais conhecidas até algumas não tão famosas. Mas, hoje em especial, vou postar aqui uma canção que sempre mexe comigo. Seja em dias tristes ou alegres, não importa.


Paradoxalmente ao título, sempre que a escuto me encho de saudades. Seja por lembrar de uma só pessoa, ou de várias; de uma situação, ou de vários momentos ótimos vividos e vívidos ao som dessa melodia.


É linda.


Mas ouso dizer que não há saudade que chegue aqui dentro.


Chega de Saudade

Tom Jobim

Composição: Tom Jobim e Vinícius



Vai minha tristeza,
e diz a ela que sem ela não pode ser,
diz-lhe, numa prece
Que ela regresse, porque eu não posso Mais sofrer.
Chega, de saudade
a realidade, É que sem ela não há paz,
não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca,
dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver sem mim

domingo, 23 de janeiro de 2011

Boemiando

Meu lugar preferido da casa é o sofá. Não que eu não goste dos outros locais, devo confessar que eles têm sim lá seus encantos e utilidades. Mas o que mais preciso eu da vida além daquele sofá?
Todo dia eu chego em casa, geralmente quando o dia já está amanhecido ou prestes a amanhecer, e como não me dão as chaves de casa - o que eu acho um absurdo, afinal moro aqui ou não? -  tenho a opção de me espremer todo e tentar entrar pela janela dos  fundos, o que às vezes realmente o faço, ou ficar onde estou, esperando me deixarem entrar. E é isso que ocorre na maioria das vezes: fico ali fora, perto da porta. Confesso que fiquei entalado algumas vezes na janela, tentando entrar pelos fundos, e isso não é uma sensação lá muito agradável. Estou um pouquinho fora de forma, se é que me entendem. Então prefiro ficar ali, do lado de fora da porta da frente, esperando escutar o menor sinal de vida lá dentro. Espero porque sei que ninguém vai levantar da cama só para me abrir a porta; tenho que esperar elas decidirem acordar. Depois de tanto tempo vivendo assim já sei como a casa funciona, tenho as "manhas". Fico ali, na espreita, e quando escuto o barulho dela saindo da cama e indo ao banheiro lavar seu rosto amassado de uma noite agitada na solidão dos lençóis, começo a, gentilmente, pedir que me abra a porta. Peço uma, peço duas, peço três, e nada. Até que necessito pedir mais alto, quem sabe até soltar uns gritos vez ou outra, para ver se alguém vem me abrir a maldita porta. E é no meio dos meus mini-berros suplicantes que toda manhã ela vem, e finalmente abre. Eu sinceramente ainda não descobri porquê tenho que implorar todo dia para que me abram a porta; sabem que não durmo em casa mesmo, e que chego todo dia a essas horas, e também sabem que isso não vai mudar, pelo menos não tão cedo. Custa me atender na primeira súplica? Eu não me desgastaria, e nem ela. Vai entender essas mulheres...
Pois bem, entro em casa e dou de frente pro sofá! Posso jurar à você que meus olhos brilham ao vê-lo! Se eu for dormir na cama, não consigo descansar sossegado. Sempre entra alguém e fala comigo, me chama de vagabundo por estar dormindo em plena luz do dia ali, e por muitas vezes, reclamam e me expulsam da cama porque dizem que chego sujo da rua. Oras bolas! Justo eu, que tomo meus banhos, ainda que ‘de gato’, todo os dias, religiosamente! Mas tudo bem, não gosto de brigas, acho que já escuto reclamações o suficiente, por isso acabo ficando pelo sofá mesmo. Mas não de imediato, passar a noite em claro deixa a gente morto de fome. Cadê meu desjejum?
Sim, o desjejum é outra súplica que faço todas as manhãs. Sabem que chego com fome, e mesmo assim preciso implorar para que me dêem comida. Assim como não tenho as chaves de casa e não posso dormir na cama, também não sou permitido acessar os conteúdos da geladeira. Sei que tem muita coisa boa lá, vejo e sinto o cheiro de muitas comidas que só de pensar me arrepio todo, mas minha comida ficam separada da delas. Oh meu Deus! Será que sou doente e não me contaram? Hmm... Não, acho que não deve ter a ver com isso. Deve ser porque não ajudo com um centavo em casa; isso faz mais sentido. Mas não posso reclamar. Sei que elas têm banquetes naquela mesa, mas minha comida, apesar de ser a mesma quase sempre, é muito boa e eu como o suficiente pra me dar estas sobrinhas no abdome. Tenho amigos que nem isso têm em casa! Precisam sempre achar o que comer na rua, por isso digo que está bom demais assim. Mas acho que essas mulheres são muito rancorosas. Só porque você não dorme em casa, elas nao deixam você sentar na mesa para comer como qualquer outro membro da família, e nem mesmo te dão um pratinho da comida boa que estão comendo, nem que seja pra devorá-lo no sofá mesmo. Mas de qualquer forma, não reclamo. Não troco essa minha liberdade noturna para sentar à mesa com elas escutando o noticiário e ouví-las reclamar da cidade. A única exigência que faço é que peguem minha comida logo, estou realmente com fome. É preciso ter cautela ao pedir comida nesta casa, muitas vezes me agridem verbal e fisicamente. Tá, não é que me batam, não se trata propriamente de uma agressão. Mas ameaçam bater, e só a ameaça já é suficiente para me fazer sair correndo. Confesso que tenho medo delas. Essas mulheres não brincam quando se trata de ameaças.
Sim, moro com duas mulheres. Elas seriam mais legais se me deixassem dormir com elas, na cama, mas não me deixam. Dizem que não sou digno de dividir a cama com elas. Oras! É por isso que acostumei com a vida noturna, claro que é. Se o homem da casa não pode passar a noite em um dos numerosos colchões que tem nos quartos, melhor mesmo é arranjar algo interessante para fazer fora de casa. E depois reclamam que passo todas as noites fora.
Termino de tomar meu café da manhã, e chega a hora de ir pro meu lugar preferido da casa: o sofá. De lá tenho uma visão estratégica de toda a casa, e posso dormir tranquilamente sem interrupções. Porque, pra elas, dormir de dia na cama é um disparate, porém dormir “acidentalmente” (ainda que seja todo dia mesmo) no sofá, aí elas não vêem problema. E eu também não. Me jogo nesse sofá como um rei na sua cama king size! Confesso que esse sofá poderia ser mais largo, mas ainda consigo me esticar nele, me espreguicar, e até mesmo dar uma roladinha quando me dá vontade. Estando nele consigo enxergar a rua e o portão, por conta da grande janela situada de frente pra ele, na sala. Tenho uma visão privilegiada da porta da frente, do corredor que leva para a porta dos fundos, e da escadaria que leva ao andar superior da casa. O que mais poderia eu querer além de estar neste sofá?
Elas saem boa parte do tempo, e tenho a casa só para mim. Não posso ligar a tv, e nem o som, e nem o computador, mas tudo bem. Chego tão cansado de passar a noite em claro que quero saber é de dormi mesmo. E antes que me perguntem como consigo que duas mulheres me sustentem, digo que não é bem por aí. Tenho uma tarefa bastante séria: cuido da casa na ausência delas. Quando viajam, o que não é tão raro, fico eu aqui, sozinho, cuidando da casa para que nenhum ladrão se apodere do que não lhe pertence. E durante o dia, faço o mesmo. Ali do sofá, tiro meus cochilos, mas minhas orelhas estão sempre atentas ao menor sinal de barulho. Não brinco em serviço, e também não trago amigos para fazer farra em casa não. Não sou chegado muito a intimidades, tenho amigos e saio com eles à noite, de boa. Agora... trazê-los pra casa seria demais, não abuso assim nem da boa vontade delas, nem da minha própria.
Quando elas chegam no fim do dia, o mau humor que tinham pela manhã já passou. Quem sabe elas nem acordem bravas comigo, por não dormir em casa; acho que acordam bravas com o mundo e/ou com elas mesmas. Pouco me importa, acostumei com esse jeito delas, e até que gosto. À noite elas me compensam todo o mau humor matutino. Uma, sempre que chega em casa, vem me fazer carinhos, e afagos, e pergunta como estou. Nem me dou ao trabalho de responder, curto esse momento gostoso, fecho os olhos e me entrego ao toque das suas mãos. A outra é mais reservada. Mas quando termino de receber carinho de uma, vou logo procurar o colo da outra. Gosto das duas, já falei. E já que não posso dormir com elas e me aquecer debaixo do cobertor encostado em suas peles, aproveito esses momentos para suprir a carência de calor humano que tenho.
Não posso reclamar dessa vida, temos nossos problemas e nossas discordâncias, mas sei que ninguém é perfeito, nem eu, nem elas. Sou feliz vivendo aqui.
Enquanto elas assistem à novela, tomo meu banho. Lavo todas as partes, bonitinho, sem pular nenhuma. Me sinto revigorado ao tomar banho; e eu tomo todos os dias, como já havia dito. Quando a novela termina estou limpinho, e jantado. E aí elas, que dormem cedo, sobem arrumar suas camas e escovar os dentes, e tentam me convencer a passar a noite em casa e ir dormir lá naquele quartinho dos fundos. Acho engraçada essa mania que têm de terem a esperança de eu parar de sair à noite. Esqueçam, queridas, isso não vai acontecer. Tenho meus encontros marcados, gatas me esperam na esquina.
Então elas sobem para uma noite de sono, e eu saio para mais uma noite boêmia. Não tenho as chaves, então aproveito quando a mais velha vai colocar o cadeado no portão, e corro para fora da porta. Olho para trás, e vejo meu tão querido sofá. Digo até logo a ele, sei que me espera até a próxima manhã, e então sumo pelo jardim. Subo no muro, olho para os lados à procura de companhia, e, miando, me perco sob a luz da lua a iluminar o telhado.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


"Só se cansa do mar quem do mar só vê a água"

Luís Cardoso em "Crónica de uma Travessia"


Créditos ao blog http://pacodasartes.blogspot.com/ de Ana de Oliveira

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A travessia


Sentada na escadaria, observava atenta o fluxo de pessoas; uns indo para a aula, outros indo para a cantina, outros apenas jogando conversa fora, degustando um bom cigarro. Seus olhos atentos procuravam aquela figura enigmática de outrora. Não, não era alguém comum. Se havia uma palavra que o descrevia, essa com certeza não era “comum”. Ele era estranho. Soube disso desde a primeira vez que o viu, num desses encontros ao acaso no pátio, sem muita importância. Tudo nele era misterioso, desde o timbre da voz, às galochas fora de moda.
Não é que o procurasse; não era disso que se tratava. Na realidade, não queria estabelecer qualquer tipo de contato com ele, e mais precisamente, até fugiria caso o visse vindo em sua direção. Não, definitivamente não queria falar com ele. Apenas queria ter aquela sensação estranha de fita-lo de longe, e de viajar num ritmo frenético pela sua própria imaginação. Não sabia ao certo porque isso acontecia, mas era algo usual em seus pensamentos. De vez em sempre, aparece algo, ou alguém, que lhe desperta as mais incríveis fantasias, e passa horas e horas inventando histórias dentro da sua própria cabeça, histórias estas que se encaixam perfeitamente na visão momentânea que tem do alvo em questão. Visão essa que nem sempre corresponde à realidade - e ela sabia disso.
O que pra muita gente pode ser banal – ora, é apenas uma pessoa – para ela poderia ser motivo de riso incontrolável, ou de um pavor paralisante: era exatamente essa a graça de se ter uma imaginação tão fecunda, pensava. Nunca se sabe qual será a surpresa da vez. Viajava longe em seus pensamentos. Passava por planetas, galáxias, universos distintos, criava e descriava o que quisesse; e nos seus mundos recém-natos, quem redigia a história era ela. Sabia cada passo, cada detalhe daquilo que a despertara a atenção, ainda que fosse tudo inventado. Afinal... quem sabe dizer o que é real?
Era com essa expectativa de viajar mais uma vez ao redor do mundo, seguindo o fio de um só pensamento, que o procurava com olhos aflitos naquela manhã. Sabia que os degraus lhe forneciam a posição mais estratégica, pois no meio de tanto burburinho, e tanta gente passando, seria mais difícil a ele de lhe reconhecer. E caso reconhecesse, ela só precisava de um segundo e meio para levantar, e seguir o fluxo da multidão, perder-se no meio dela, e adeus, tornava-se intocável aos olhos dele. Era o local perfeito. De resto, poderia encostar-se na parede, caso tudo desse certo, e permitir-se ser hipnotizada mais uma vez por aquela presença secular.

Ah sim, esqueci-me de contar sobre ele. Era uma figura ímpar. Honestamente, ela sentia um pouco de medo dele. Sim, medo. Não é todo dia que se encontra uma pessoa que aparenta ter atravessado os séculos, assim, quase sem perceber, como por acaso. Tinha um aspecto envelhecido, apesar de ser jovem. Acho que a palavra conservado cairia bem, parecia ter sido banhado em sais de rejuvenescimento, em bálsamos de juventude, e com isso conseguia aparentar ter 30 anos, ao invés de 3 mil. Tinha uma pele morena, num tom incomum para uma cidade fria e pouco ensolarada em que vivia. Um moreno meio dourado, mas não dourado de praia. Uma morenice típica de pele que trabalhou sol a sol, durante quase meio século. Parecia um egípcio. Parecia que tinha acabado de ajudar na construção da esfinge, ou de alguma pirâmide qualquer praqueles lados, carregando debaixo do sol quente, junto com muitos outros homens, aqueles blocos de pedras pesados e rudes. De alguma forma, ela sabia que aquela cor dizia muita coisa. Sim, sabia que era uma das provas reais de que aquele homem não era daqui; pelo menos não originalmente.
Sua pele tinha um aspecto murcho, com aquela coloração dourada, e isso invariavelmente lhe remetia estar diante de uma múmia. Ele parecia realmente uma múmia, despertada de seu sono secular, sem nem ela mesma, a própria múmia, saber o motivo pelo qual fora despertada. Não é algo simples de se imaginar, ou adivinhar. De qualquer forma, esse tom cadavérico que ele tinha, era aterrador. Aquela pele... tinha calafrios na espinha só de pensar em tocá-la. Estava certa de que, se a tocasse, sentiria aquela pele murcha, fria, recobrindo os ossos moles, meio borrachudos por resistirem tão bravamente ao tempo. Os ossos, quem sabe fosse possível dobrá-los mil vezes, de tão borrachudos que deveriam ser! Ou quem sabe fosse o contrário... fossem duros tal qual uma pedra milenar, e quebradiços. Ficou na dúvida por um instante. Qual será a consistência de uma múmia? Porém em momento algum teve vontade de pegar no braço dele para poder sair da cisma. Era arrepiante só o ato de pensar nisso.
Mas o que mais a fazia estremecer eram os olhos dele. Foram eles que denunciaram a ela todo esse universo de mistério que escondiam. Eram ao mesmo tempo transparentes, e traiçoeiros. Exatamente o tipo de olhos que não se pode fitar por muito tempo, pois é capaz de se perder neles. Ao olhá-los, lembrava-se daquela história da Medusa, e tudo o que conseguia pensar era: ‘não olhe nos olhos! Não olhe nos olhos!’ Era por isso que o observava de longe; a tarefa número um era não olhar diretamente nos tais malditos, ou benditos, olhos. Eram profundos, e penetrantes: pareciam sugar toda a sua história em 3 segundos de observação. Ela tinha medo deles, dos olhos. Pareciam ter vida própria, e reluzir no escuro. Nunca o tinha visto na escuridão da noite, mas sabia que seria capaz de achá-lo onde fosse, por conta daquele par de olhos amarelos. Não de um amarelo ictérico, mas de um amarelo irídico vivo, imponente. A menina dos olhos parecia um risquinho, e não uma bolinha como é comum as pessoas terem. Olhos de felino! Era isso! Eram olhos de um tigre. Existe tigre no Egito?
Sabia que a pele e os olhos deixavam claro que ele não era daqui, desse século. A gente reconhece um colega de século no segundo que olha pra ele, e este definitivamente viajou no tempo, e veio direto de um livro de história praquele pátio. Quase uma questão de probabilidade quântica, ou algo assim. Não entendia muito de física, mas alguma coisa nesse mundo deve explicar a presença dele ali, naquele local, numa tarde ensolarada, em pleno século XXI.
Foi quando ele apareceu, descendo a rampa, e parando de frente pras escadarias, a conversar com dois homens também estranhos, mas bem menos estranhos do que ele. Teve a oportunidade única de poder analisá-lo de longe, sem ser percebida. O corte de cabelo dele, não era algo que se visse todo dia. Podia muito bem ter ficado daquele jeito, por conta de passar milênios sem cortar o cabelo, e terem crescido de maneira desordenada e aleatória. O jeito com que falava, pausadamente, era mister. Era como se fosse um poço de sabedoria. Tinha aquele olhar penetrante, e sempre um sorrisinho no canto da boca, como se debochasse dos reles mortais que nada sabem da vida. Parecia ser senhor de suas palavras, ter o domínio de quase todas as técnicas e conhecimentos, passados ao longo dos milênios, pela e para a humanidade. Ele era quase um livro de história ambulante, era praticamente a história da humanidade contada com tanta banalidade como se fosse qualquer um de nós contando algum fato marcante da nossa adolescência. Tinha aquela leve arrogância de quem sabe o que fala, de quem já viveu o que fala. Mas era simpático como o diabo. Tinha uma voz estranha, quase que presa na garganta e custosa de sair de seu lugar quente e isolado. Quando ele ria, parecia um faraó com aquela risada imponente, e ameaçadora, mandando cortar algumas cabeças e pouco se importando com isso. O timbre da voz dele tinha um quê de antigo, quiçá antiquado. As roupas então... não tinham sido compradas nem na C&A, nem em loja alguma que se conhece por aí; tinham aquele aspecto velho. Nem tanto por estarem desbotadas e amassadas, mas pelo modelo mesmo. Poderia ter comprado num brechó, quem sabe. Ou quem sabe elas tenham viajado no tempo, dentro da tumba, com ele. Vai saber? E as cores que o acompanham, sempre em tom de marrom, ou tom pastel. Aquilo sim era uma breguice sem tamanho. Sem falar nas galochas! Parecia que vinha do meio do mato direto para as aulas. Do meio do mato, ou de um terreno movediço, algo parecido com isso. Podia imaginá-lo usando aquelas galochas para conseguir não se afundar na areia, ou ser picado por algum escorpião do deserto.
Ao tomar este tempo para observá-lo novamente, pôde enfim concluir que toda a sua teoria fazia mesmo sentido: ele realmente tinha atravessado os séculos.
No instante em que chegou a essa conclusão, percebeu que o via cada vez mais de longe, sumindo da vista ao atravessar o pátio enorme e esvaziado. Pensou em correr e tentar puxar papo, mas acabou desistindo. Qual a finalidade? Aposto que ele seria a pessoa menos indicada para contar-lhe alguma novidade. Mal sabia quanto tempo tinha se passado desde que chegara, mas isso pouco importava. Subiu as escadas, rumo ao outro lado da rua, e se perdeu ao passar, uma a uma, pelas ruas tão contemporâneas.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mr. Poe(try)...



Today is the death anniversary of Edgar Allan Poe.


I first read some of his tales when I was 13, and I loved it.


They're grisly, creepy, frightening tales, and at a first look you may think it could be just usual, like terror movies of nowadays. You're wrong.


Mr. Poe can really make you shiver to the bones.

I admire his art at the first time, and as I discovered more tales, and even poetries, I liked him more and more.

It's creepy, but it's good content, great writter.

One of my favourite tales is "The tell-tale heart". The black cat is also terrifying!

I end up this post (which is really short) with a poetry I love.

Thank you, Mr Poe, for your art.


Alone

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life- was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.

The old feelings will never show up again...

It was written a long time ago, and I still can feel what I meant.
So truly naive.


Um abraço

Um abraço, e eu me sentiria tão reconfortada e acolhida que a sensação dos seus braços ao meu redor fariam o tempo parar e tudo se tornaria estático, exceto a batida de nossos corações.

Mãos dadas, e eu me sentiria tão segura e bem-quista que trauma algum do passado seria capaz de superar a sensação do simples toque dos seus dedos entrelaçados aos meus.

Caminhada, mesmo ritmo e passo, mesma marcha rumo ao novo e desconhecido; rumo ao resto de todo o resto, na mesma direção e mesmo sentido, somando-se por caminharem juntos, lado a lado...

Casa, colchão, prateleira. Conhecer seu canto, sua toca, seu perfume. Seus jeitos e costumes, seu cachorro, seus pertences. Conhecer o lugar que te acolhe todas as noites e te protege da chuva e do vento.

Uma volta de carro, e o meu vislumbre com a paisagem e todas as luzes não seria maior do que minha fascinação ao te ver dirigir com um cigarro na mão e aquela música tocando no rádio. Aquela. Quem sabe também, muitas outras; passaria horas rodando pela cidade sem nem perceber o passar do tempo.

Cidade, descobrir por onde estes tão lembrados pés caminham todo santo dia rumo às tarefas cotidianas, mudando de rumo ao acaso vez ou outra. Ruas estas que levam à sagrada diversão e refúgio de muitas noites insones.

Um lago. A brisa. A sensação de estar exatamente onde se queria estar. Sentir que tudo é possível, que sempre há um recomeço e que as coisas dependem muito de nós. Saber que, apesar de tanto imaginar desesperançosamente o que se esconde por detrás das numerosas nuvens, sonhos podem sim se realizar.

Vento... sentí-lo forte e imponente, mas ao mesmo tempo cheio de compaixão por uma pessoa que se contenta com tão pouco. A sua presença, apenas, me basta. Me bastaria.

Um abraço e...
... todo o resto seria apenas consequência.

Just came to say hello...

Starting blogging is always a surprise.
I'm not sured if it's gonna work out or if, somehow, i'll be suddenly speechless.
I'm always trying to say something, and when I finally get the opportunity, where do the words go?!

Maybe they drop along with the leaves.

Anyway, I intend to post whatever the hell I feel like.

Like you or not, after all, haters gonna hate anyway...