quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Via Láctea

A noite era quente e o céu nublado. A janela semi-aberta trazia rajadas de vento reconfortantes, que aliviavam discretamente a tensão que a corroía por dentro. Sentimentos tensionam a alma, o cérebro, e tudo mais que tiverem direito.

Já tomara um litro de café, já comera tantos tipos de comida, já falara de tantos assuntos com tantas pessoas, mas nada era capaz de lhe tirar a atenção por um minuto sequer daquilo que, há tempos e por variados motivos, prendia nas nuvens seus pensamentos.

Pegou, mais uma vez, uma folha de papel em branco e uma caneta qualquer. Há dias que tentava, e a cada dia queria dizer algo diverso do que pensara no dia anterior porque todo dia concluía alguma coisa diferente e queria muito eternizar este pensamento no instante em que fora pensado. Impossível. Tem coisas que não servem pra ser ditas, mas sim sentidas. Há tempos que o sentir se tornara absoluto, e não admitia ser desperdiçado para fora, apesar de ela querer muito compartilhar tudo que sentia, porque cada sentimento, cada pensamento trazia consigo uma beleza simples e plena e única, mas ao escrever, as palavras cortam o real sentido e densidade de tudo que se sente.

Apesar disso tudo, hoje sentia que era preciso falar. Tem coisas que já não cabiam dentro do peito. Assim começou a escrever,  na intenção de dizer a ele tudo que pensava, e que ele, por não morar na cabeça dela, não fazia idéia. Pensou em dividir com ele essa imensidão de coisas que tinha lá dentro. Queria lhe dizer que vê-lo sofrendo dói bem mais do que se o sofrimento fosse só dela. Que gostaria de abraçá-lo tão forte que ele nunca mais poderia dizer que está sozinho nem que ninguém se importa, porque a força e o aconchego dos braços dela envolvendo seu corpo o convenceriam disso. Queria lhe dizer que ela sente cada lágrima que escorre dos olhos dele escorrendo pelo rosto dela também, e que de longe ela as finge enxugar na esperança vã de que lá, onde ele estiver, as suas lágrimas estejam sendo secadas. Quis dizer, em algumas palavras, que a cada coisa simples do cotidiano que ela executava, fechava os olhos e mandava mensagens telepáticas na esperança de que isso ajudasse ele a ter a força necessária pra também realizar tal tarefa, por menor que seja. Queria muito dizer a ele que ela sabe como dói. E que queria a dor dele pra ela, porque é melhor sofrer o pior dos castigos do que ver alguém importante pra gente sofrer. Desejava que ele soubesse que ela sente muito por tudo que ele está passando, mas que ela tem certeza de que isso é temporário e que os dias vão voltar a ser azuis em breve, muito breve. Ela tinha certeza disso, e como queria que ele conseguisse acreditar nisso também. Queria dizer a ele que ela, mesmo estando longe, jamais o abandona em pensamento. E que, estando perto, jamais o deixará, nem física nem emocionalmente, porque a vida não teria mais porquê de existir se não fosse pra ver o sorriso dele. Como ela queria que ele soubesse o valor que ele tem. E que é forte o suficiente pra admitir que tem fraquezas. E também que o admira muito, cada dia mais, porque a cada dia que passa ela vê o ser humano que ele é. Humano. Triste e esperançosamente humano. Quis muito fazer ele entender que, não importa o que se passe, ela estará lá, do lado dele. Que ela queria estar fazendo um chá pra ele nesse momento, e lhe fazendo um cafuné no cabelo. Que lhe ajudaria a organizar a casa, e até trocaria de lençol, pra que ele pudesse se sentir um pouco melhor deitado na cama. Que traria seus discos preferidos pra eles escutarem juntos. Que abriria as cortinas, mesmo ele não querendo, e que deixaria o sol entrar naquele quarto tão cinzento. Traria suco de maçã com canudinho e leria em voz alta um trecho de livro ou poema qualquer pra preencher o vazio do dia. Queria que ele soubesse que não há quase nada que ela não fizesse pra fazê-lo se sentir melhor. Que ele era um presente pra ela, e que ela queria ser também um presente pra ele. Queria que ele soubesse o bem que faz a ela simplesmente por existir. Queria que ele nunca duvidasse que só com a presença dele é que seus dias conseguem ficar vivíveis. Que se os poetas se inspiram nas estrelas, isso pouco importa; a inspiração dela, era ele.

Queria dizer tantas coisas, e se perdia tanto nos pensamentos, que desistira. Não adianta. Palavras jamais traduzirão o que realmente sente. Desistiu de tentar traduzir-se pra ele com palavras. Ao invés de escrever páginas, rasgou um cantinho da folha que segurava, escreveu uma pequena frase e colocou em cima das coisas dele. No dia seguinte, com sorte, ele leria aquele bilhete; talvez desse um sorrisinho amarelo ao ler e não desse muita importância ao que lia. E ele continuaria a não fazer idéia de tudo que aquele “eu te amo” escrito num pedacinho rasgado de papel significava pra ela.