segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A consulta

Bah, esse é antigo. De quatro anos atrás. Devo ter escrito em alguma aula chata da faculdade. Talvez pensando na empatia com os pacientes em consulta. Talvez não. Quem sabe seja apenas mais um fruto das paredes de espelho que construí.


"Tum tum... tum tum...o coração batia tão alto e forte no peito que o fez acordar no pulo, ofegante, como se alguém furiosamente batesse à porta. Num gesto concomitante abriu os olhos e sentou na cama, enquanto ouvia aquela batida intensa e mortificante, sentia que algo de muito ruim estava prestes a acontecer. Pior, já estava acontecendo, ele só não sabia nem como nem aonde! Enquanto a respiração ofegante lhe sugava as energias, teve a mais tenebrosa lembrança: era dia de consulta. Ao pensar nisso, o bichano de dentro do peito pulou três vezes mais forte, como se estivesse tentando sair realmente pela boca, numa tentativa de livrar-se da tão temida tarefa do dia. Não adianta, não tem jeito, tentava conversar consigo mesmo. Sabe que não tem o que fazer com relação a isso, eram necessárias essas horas periódicas entre médico e paciente, ver como anda o tratamento, se os remédios estão dando certo, se a doença está controlada, era sempre tudo igual. Senta, fala, fala, remédio, reconsulta... de tempos em tempos, tudo se repete. Enquanto lavava o rosto, se viu no espelho, e parou. Ao contemplar-se, procurava entender o porque de ser sempre assim, esse medo, essa angústia. Afinal, é apenas consulta. Acaso não tem experiência com isso? Há quantos anos lida com essas idas e vindas, esses rituais de remédios, essas longas conversas dentro das paredes úmidas e obscuras de consultórios psiquiátricos? Tentava entender-se, porém a cada vez que pensava na conversa que teria dentro de poucos minutos, tremia por inteiro. Conversar sobre essas coisas é para os fortes, pensava. Só louco mesmo para falar sobre seus monstros internos, seus medos mais sem eira nem beira, seus pensamentos mais sem lógica, aqueles que todo mundo tem, mas que a maioria nega ter um dia sequer pensado. Ter pensamentos insanos não é nada; louco mesmo é quem assume que os tem. Enquanto pensava isso, saía de casa, mas sem pressa, apesar da contínua taquicardia. A cada quarteirão, o coração batia mais forte, e mais forte, e mais forte, como se carregasse dentro de si toda a angústia do mundo concentrada em algumas poucas fibras musculares, dando o melhor de si para que essa energia se dissipasse e não viesse a explodir de uma só vez. Mal conseguia respirar, uma água por favor! Agarrou aquela garrafa de água como se fosse um voto de indulgência, e enquanto a tomava e a sentia apagar, de maneira bem tímida e incompetente, o fogo que sentia dentro de si, olhava todo aquele movimento ao redor, as faces, os passos largos e decididos, a falta de expressão naqueles rostos apressados, e pensava que aqueles ali poderiam estar indo enfrentar o dia do diabo que fosse, mas nada se compararia ao que estava prestes a enfrentar. Quem ali aguentaria uma hora de consulta? Fez-se um nó em sua garganta, e decidiu que, querendo ou não, era preciso enfrentar o desafio. Foi assim que lançou-se em direção ao consultório, rezando para que fosse o que Deus, ou seja lá qual força que rege o universo, quisesse. Chegou lá, deu bom dia ao porteiro. Elevador lotado, apertou o décimo primeiro andar, e repetia pra si mesmo numa tentativa falha de convencer-se de que ninguém conseguia ouvir suas batidas do peito, só ele mesmo. Tentou fazer ‘cara de normal’ enquanto o elevador pingava de andar em andar. Não queria que ninguém o achasse maluco.
Até que chegou seu andar, abriu a porta, não havia ninguém na sala de espera. A secretária fitou-o por alguns segundos, e então disse, num tom alegremente falso, bom dia. Não a respondeu. Sentia que estava pálido, e seguiu reto até encontrar a cadeira. Sentou-se, desapertou um pouco o nó da gravata e esticou-se tentando buscar algum conforto físico diante de todo o desconforto psicológico em que se encontrava. Ela, com cara de assustada, não sabia o que fazer e perguntou: está tudo bem? Nem conseguia falar. Apenas fez um gesto com a mão, como quem diz que não há nada que se possa ser feito. Ela abriu a porta do consultório, ele entrou. Parou logo após adentrar a porta, e em pé, fitou a sala. Olhou tudo ao redor, aqueles móveis escuros, aquelas luzes meio apagadas, que dão um clima sério e conspirador. Móveis de bom gosto, assumia. Janela fechada. Livros, muito livros, nada sob a mesa. Nada além do prontuário, de uma caneta, e... só. Era tudo que se precisava pra consulta, não era? Respirou fundo, repetia mentalmente em poucos segundos tudo que ensaiara em casa para falar na consulta, mas nessas horas de nervosismo a memória varre tudo pra debaixo do tapete. Tentava lembrar, mas não vinha nenhuma idéia, começou a apavorar-se; nisso a secretária disse: deseja uma água? Sente-se por favor. Encabulado, sentou-se. Tomou um gole de água, arrumou-se na cadeira, e quando a secretária disse: doutor, o paciente já chegou, tomou coragem de levantar a voz e corajosamente disse: pode mandá-lo entrar."

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